Antigas residências dos moradores mais pobres da urbe, os nagaya estão desaparecendo da paisagem de Tóquio
Tóquio nasceu como uma cidade militar. Foi ainda no século 16, quando ainda era chamada de Edo, que a então pantanosa vila de pescadores começou a ver seu nome entrar na história do Japão. Escolhida pelo senhor feudal Tokugawa Ieyasu para ser sua base, Edo até tinha um castelo para chamar de seu. Mas uma reviravolta política transformou Tokugawa no xogum, o líder militar supremo, em torno do qual o Japão se tornou um país unificado.
Para manter seus antigos rivais sob controle, o xogum obrigou todos os demais senhores feudais a fixar residência em Edo e passar ano sim, ano não sob sua vigilância direta. Assim, a cidade cresceu espantosamente rápido, com samurais vindos de toda a parte do país para fazer a guarda de seus senhores.
A nova população gerou oportunidades para comerciantes, artesãos e outros profissionais que aportaram em Edo aos borbotões. E enquanto os militares ocupavam lotes enormes nas partes altas da cidade, longe dos pântanos e alagados, restou para o populacho as estreitas faixas entre os inúmeros rios da baixada. Essas áreas, que foram ficando cada vez mais povoadas, passaram a ser chamadas de shitamachi ou "cidade baixa".
Residências populares
Formada pelos caracteres para “comprido” (長) e ”casa” (屋), a palavra nagaya define uma série de moradias construídas lado a lado, com paredes geminadas, como se fossem um edifício horizontal. Feitos de madeira e com piso de tatami, os nagaya abrigavam essa massa mais pobre de trabalhadores que faziam a cidade funcionar para os senhores feudais e seus protetores. Feitas de madeira, as construções costumavam ser alugadas e não eram planejadas para durar muito. Muitas eram consumidas pelos incêndios que ocorriam com frequência em Edo.
Quase não havia isolamento acústico e térmico, o que transformava os moradores em verdadeiras famílias, para o bem e para o mal – em alguma medida, essas construções podem ser comparadas aos cortiços da primeira metade do século 20 em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. A noção de "puxadinho" também vale para a versão japonesa: inicialmente finalizados com apenas um andar, muitos nagaya ganharam um pavimento extra ao longo dos anos (a grande maioria dos remanescentes de hoje é assim).
Em seu célebre Tokyo: A Spatial Anthropology, sobre a antropologia dos espaços privados da antiga Tóquio, o arquiteto Jinnai Hidenobu escreve que, até pelo menos os anos 1920, as casas não tinham banheiro nem espaço para banho – a higiene era feita nos banhos públicos conhecidos como “sento”, que também serviam como espaços de socialização. Poços e o depósito de lixo eram comunitários e um santuário xintoísta, quase sempre dedicado a Inari, a divindade da fertilidade, completava a construção.
Kyojima é um dos poucos bairros da capital japonesa onde é possível ver remanescentes desta época. Localizado próximo à Tokyo Skytree, um dos cartões postais da megalópole, sua área tem sofrido com a especulação imobiliária. Além disso, na avaliação do Governo Metropolitano de Tóquio, Kyojima é considerado um dos bairros de maior risco de desabamentos e outros acidentes causados por desastres naturais, em especial por causa dos nagaya.
Leia mais sobre Kyojima no artigo de Roberto Maxwell na edição 1 de Tokyo Aijo. Inscreva-se e acesse a primeira edição de Tokyo Aijo aqui.
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