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Foto do escritorRoberto Maxwell

Koshino Shu*Kura: uma viagem de trem pelos sabores da Terra do Saquê, Niigata

Atualizado: 6 de ago. de 2023

Comboio turístico promove encontro com as delícias e as paisagens de uma província ainda pouco explorada pelos turistas estrangeiros



Sair da rota batida numa viagem é incrível, e quando isso acontece já na escolha do trem, fica ainda melhor. Viajantes partindo de Tóquio para Kanazawa costumam eleger a praticidade e a rapidez do trem-bala Shinkansen, que percorre os quase 500 km entre a megalópole e a capital da província de Ishikawa em pouco menos de 3 horas.


No entanto, para aqueles que não têm pressa e querem um pouco de aventura ao longo do caminho, há a opção de uma viagem etílica, a bordo de um trem turístico mais lento, regada a saquê e com um toque de gastronomia local. Isso, sem contar com a maravilhosa vista das montanhas da província de Niigata, que passam praticamente despercebidas para quem viaja no trem-bala.


Shinkansen da Linha Joetsu na estação de Echigo-Yuzawa (foto: Roberto Maxwell)

Gostou da ideia? Então, embarca comigo no Koshino Shu*Kura, um trem turístico que vai fazer da sua viagem até Kanazawa ou Niigata uma atração em si mesma. Vamos lá!

Terra abençoada

Trens turísticos existem em todo o Japão. Eles costumam percorrer áreas no interior do país que muitas vezes passam despercebidas pela maioria dos turistas estrangeiros. Esses trens, porém, já se tornaram um sucesso entre os japoneses e têm tudo para agradar também aqueles que estão apenas de passagem pelo país.


Circulando pela província de Niigata, o Koshino Shu*Kura tem apenas três vagões e surgiu com a proposta de ser um veículo para o que o povo local considera como suas maiores riquezas: a água e a terra. Explico.

Niigata é uma região montanhosa, com grandes áreas de terras férteis em planaltos e à beira-mar, boa parte delas dedicada à produção de arroz e outros alimentos. Essa terra é ricamente regada de água puríssima, que vem do degelo da neve que cobre a região durante os rigorosos invernos. Assim, a província se tornou conhecida por produzir ingredientes de boa qualidade, o que deu origem à riquíssima gastronomia local. Além disso, bom arroz e boa água são essenciais na produção dos saquês de altíssima qualidade da região que são muito apreciados em todo o Japão — e, mais recentemente, mundo afora.


Por tudo isso, o conceito do trem é, a partir do saquê, oferecer aos passageiros uma experiência na gastronomia de Niigata, enquanto se desloca de uma ponta à outra da província.


Montanhas da província de Niigata: paisagem passa batida nas viagens de trem-bala (foto: Hashizou Hashizou/Photo AC)

Estação do Saquê

O Koshino Shu*Kura faz três rotas e a mais indicada para quem pretende usar o trem como interlúdio entre Tóquio e Kanazawa ou Niigata é a Yuzawa. Ela parte da estação de Echigo-Yuzawa, na linha Joetsu do shinkansen, e segue até Joetsumyoko, onde se pode embarcar no trem-bala da linha Hokuriku, que leva até Kanazawa.


Como a partida de Echigo-Yuzawa está programada para as 14:45, vale chegar pelo menos uma hora antes para fazer um 'aquecimento' na estação. Isso porque Echigo-Yuzawa tem um excelente espaço para a degustação dos saquês da província, o Ponshukan, uma mini-loja de departamentos bem no saguão principal da parada ferroviária. O local é excelente para comprar lembrancinhas, em especial comidas em conserva e, claro, saquês.


Passadas as primeiras lojinhas, é possível localizar o salão de degustação, um espaço informal onde o visitante pode adquirir fichas e degustar uma centena de produtos das sakaguras — as fábricas de bebidas — locais. Saquês são a grande maioria, mas existem alguns licores de ameixa umeshu e shochus, este um destilado.


Máquinas servem saquê de forma automática no Salão de Desgustação da estação de Echigo-Yuzawa (foto: Roberto Maxwell)


O valor mínimo de compra em moedas é de 500 ienes, e o visitante recebe um o-choko, um copinho de cerâmica branco com listras circulares azuis no fundo da parte interna. As linhas ajudam a dar contraste com o branco da louça na hora da apreciação da cor da bebida.


O preço em moedas de cada dose varia de acordo com o rótulo. Saquês puro arroz de alto refinamento — junmai ginjo e junmai daiginjo — costumam ser mais caros. Portanto, se necessário for, é possível comprar mais moedas, mas não exagere nas doses. Você ainda tem uma viagem pela frente.

Trem do Saquê

Volte para a estação, porém, agora, nas plataformas dos trens comuns. Não deixe para retornar em cima da hora porque, com certeza, você vai querer fotografar o Koshino Shu*Kura antes do embarque. Aliás, não só você, mas todos os passageiros costumam tirar um tempinho para fotografar os três vagões da série Kiha que formam a composição.


Vagão 3 do Koshino Shu*Kura na estação de Echigo-Yuzawa (foto: Roberto Maxwell)

O trem é pintado em duas cores principais. O branco representa a neve, característica da província. Já o azul escuro, chamado na língua local de aishitakuro, é a cor dada pelo índigo japonês, uma planta utilizada para tingir tecidos naturalmente. A logo com o nome do trem aparece com destaque nas laterais.


O interior, em especial os vagões 1 e 2, foi inspirado nas sakaguras, as fábricas de saquê locais, com o uso da madeira que ainda hoje é onipresente nesses espaços de produção artesanal. Aliás, as fábricas aparecem também no nome do trem, Koshino Shu*Kura. ‘Koshino’ se refere ao antigo nome da região, Echigo, escrito com um caractere que também se lê como ‘koshi’. ‘Shu’ é uma leitura alternativa para o caractere que quer dizer ‘saquê’; e ‘kura’ quer dizer ‘depósito’ ou ‘armazém’, e é escrito com um caractere que está na palavra ‘sakagura’, fábrica de saquê. O asterisco que acompanha o nome não é puramente ornamental. Ele foi inspirado no caractere 米 (kome) que significa 'arroz'.


Destaque da belíssima logo do Koshino Shu*Kura na lateral do vagão 1 (foto: Roberto Maxwell)

Por dentro do trem

Cada um dos três vagões do Koshino Shu*Kura oferece uma experiência de viagem diferente. O vagão 3 é o mais comum, ideal para quem quer usar o JR Pass e não ter custos extras com a viagem em si. Ele possui poltronas reclináveis, proporcionando bastante conforto. Neste vagão, os viajantes podem apreciar os saquês, refeições e petiscos trazidos de fora ou disponíveis para venda no vagão 2 do trem.

A mesinha do vagão 3: espaço para se deliciar e apreciar a paisagem (foto: Roberto Maxwell)

Os assentos são espaçosos e têm mesinhas para que a refeição seja feita de forma bem tranquila. Recomendo pedir o o-bentô, a tradicional marmita japonesa e, para acompanhar, um trio de degustação, ou mesmo o saquê exclusivo do Koshino Shu*Kura, produzido pela Kiminoi, uma respeitada sakagura local. O rótulo é um puro arroz de alto refinamento produzido no método yamahai, no qual a fermentação é feita sem adição artificial de bactérias lácteas. O resultado é uma bebida frutada, de sabor marcante e elegante. Ao longo da viagem neste vagão, as comissárias também oferecem uma prova gratuita de algum dos saquês locais disponíveis.


Já o vagão 2 é uma espécie de tachinomi — bares japoneses onde se bebe em pé. As mesinhas redondas são inspiradas nos antigos barris usados na fermentação dos saquês. Aqui fica o Kuramori, um balcão que funciona como bar e que vende os produtos exclusivos do trem, como marmitas, petiscos e lembrancinhas. Você pode comprar o combo de degustação e usar uma das mesas para bebericar e apreciar a paisagem que corre nas janelas panorâmicas. Difícil é escolher dentre os cinco rótulos diferentes da província à disposição.


Vagão 2: mesas inspiradas nos tonéis das antigas produções de saquê (foto: Roberto Maxwell)

Mas gostoso mesmo é viajar no vagão 1, onde a experiência do Koshino Shu*Kura é completa. São dois tipos de assento. Os camarotes para quatro pessoas, que se sentam em duplas e dividem uma mesa. Já os assentos laterais são duplos, de um lado voltados para a janela, enquanto o outro fica de costas para ela.


Neste vagão, é servido um menu que começa com um saquê espumante de boas vindas e segue com a refeição servida como o-bentô e outras duas doses de saquês durante a refeição e a viagem. Os passageiros deste vagão também recebem como lembrança uma garrafa do junmai daiginjo exclusivo do trem e um o-choko comemorativo, embalado numa bolsinha do tipo kinchaku. O embarque no vagão 1 exige reserva antecipada através do site dedicado ao trem, e o valor da viagem entre Echigo-Yuzawa e Joetsumyoko é de 9 mil ienes. Os assentos são disputadíssimos. Portanto, é recomendável reservar antecipadamente.


Vagão 1: elegância e minimalismo no Trem do Saquê (foto: Roberto Maxwell)

Vale a pena?

Tanto a comida vendida no vagão 2 quanto a servida aos passageiros é deliciosa. Porém, não espere grandes porções. Os bentôs são pequeninos e funcionam como um acompanhamento para a degustação dos saquês. Mesmo não sendo farta, a comida é saborosa, feita com ingredientes sazonais locais de boa qualidade. Preparos típicos de montanha como conservas dão um show.


Os rótulos disponíveis também são bem interessantes e dão uma ideia da regionalidade do saquê produzido em Niigata que, de modo geral, segue a cartilha da tradição, com pouco espaço para a inventividade, mas foco no balanço entre sabores e até uma certa leveza e elegância. O saquê exclusivo do trem é delicioso e acaba funcionando como uma boa lembrança da viagem para levar para casa. Ainda assim, caso a vontade de beber seja mais forte, é possível comprar outras garrafinhas na Kuramori, que fica no vagão 2.


O-bentô: marmitinhas com comida fresca feita com ingredientes locaisa sazonais (foto: Roberto Maxwell)

Como todos os vagões têm janelas bem grandes, a bela vista das montanhas de Niigata também é um atrativo a ser considerado. Diferente do trem-bala, que pela velocidade acaba levando o viajante para a tela do celular, a viagem no Koshino Shu*Kura é um convite à apreciação que se torna ainda mais interessante quando o saquê começa a surtir efeito. É uma viagem, tanto no sentido literal quanto no figurado.

SERVIÇO

A rota Yuzawa do Koshino Shu*Kura sai da estação de Echigo-Yuzawa às 14:45 em datas determinadas que podem ser conferidas neste link. Outras rotas também estão disponíveis. A reserva para a experiência completa no vagão 1 pode ser feita através deste site (em japonês). Para embarcar no vagão 3, a reserva do assento pode ser feita em máquinas automáticas e nas lojas Midori no Madoguchi, presentes nas estações de maior movimento das linhas operadas pelo Grupo JR. O vagão 3 do trem pode ser utilizado com o JR Pass ou com o JR East Pass, mas a reserva do assento é obrigatória.

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