Apreciar a capital japonesa de dentro de um de seus canais é o passeio que você não sabe que precisa fazer
Como sair dos lugares apinhados de gente em tempos de overturismo? Esta tem sido a pergunta de milhões nos destinos mais visitados do planeta. Tóquio não está fora disso. Com o Japão, incluindo sua capital, entronizado de vez na lista de países mais desejados pelos turistas, parece cada vez mais difícil pensar em experiências locais mais tranquilas e originais nos destinos mais procurados da Terra do Sol Nascente.
Quem caminha pela zona baixa da capital japonesa vai perceber que a urbe é cortada de canais. No passado, eles eram a principal via de transporte, em especial para as mercadorias que precisavam circular com facilidade naquela que, já no século 18, era a maior concentração urbana do planeta.
Com o avanço das tecnologias de transporte terrestre, os canais foram perdendo importância, tendo sido muitos deles aterrados. Porém, em bairros como Nihonbashi e Kayabacho ainda é possível cruzá-los por pontes e imaginar como era a vida na época em que eles eram mais ativos. Algo que, mesmo para os locais, é algo que só existe no mundo da fantasia.
Canais liberados
Masa, um japonês de meia idade, e a sua Tokyo Great Tours querem mudar isso. Ele, que criou um negócio de passeios turísticos de bicicleta e correndo, teve experiências de praticar caiaque em viagens particulares por outros destinos do Japão. A ideia ficou circulando por um tempo em sua cabeça. "E se fizéssemos o mesmo em Tóquio", conta ele. Foi só durante a pandemia, em 2021, quando o número de turistas vindos de fora do país caiu drasticamente, que Masa decidiu pesquisar e descobriu que não havia impedimentos legais para que ele levasse seus passeios esportivos para dentro dos canais toquiotas.
São oferecidos diferentes roteiros ao longo do ano. Em dias quentes de verão, o passeio mais indicado é o Evening Tour, que começa por volta das 6 da tarde, quando o sol já está menos inclemente e a paisagem urbana começa a mudar, com o céu ganhando tons dramáticos e o brilho das luzes urbanas se acentuando.
Partimos num grupo com nove viajantes e dois guias, quase todo mundo sem experiência com caiaques. Era a minha segunda vez, embora eu nem lembre muito bem detalhes da primeira experiência. O céu estava nublado, descartando qualquer possibilidade de fotos na hora mágica. De maneira nenhuma este foi um fato desanimador.
Para a frente é que se navega
Em dupla com a querida amiga e influenciadora Piti Koshimura, parti deslizando com empolgação pelas águas escuras do Rio Kamejima. O dia ainda estava relativamente claro numa Tóquio que anoitece por volta das sete da noite no verão.
Remar não exige muita técnica, mas o esforço não é nada pequeno, em especial para alguém não acostumado a esse tipo de exercício. O mais difícil porém é seguir em linha reta.
Perigosamente ao nosso lado, além de uma família australiana dividida em três caiaques, os amigos e guias de turismo Carlos Kato e Meg Yamagute que disputavam firmemente conosco a lanterninha do grupo. Sim, isso porque dois dos caiaques ozzies — apelido carinhoso para os habitantes da Terra de Baixo — simplesmente desapareceram no horizonte.
O esforço para se mover — em qualquer direção — começou a ficar grande. Da minha parte, foi bem difícil não somente suportar o próprio peso dentro do caiaque, como também seguir o ritmo de remadas da Piti que, por estar na frente da embarcação, era quem ditava o passo.
Porém, a falta de coordenação e a vergonha de tomar um 7x1 dos australianos era sublimada pela diversão da experiência. (Aliás, sejamos justos, um dos três caiaques deles também estava ali páreo a páreo na traseira com a gente.)
Águas caudalosas
A luz natural começou a cair definitiva e te quando entramos na parte mais desafiadora do percurso: o Rio Sumida. Um dos mais importantes corpos d’água de Tóquio, o Sumida foi por anos presença constante na minha vida toquiota. Não só eu morava muito perto de suas margens, em Asakusa, como costumava me exercitar de bicicleta seguindo o seu curso durante as madrugadas dos meus primeiros anos na capital japonesa.
Não seria a minha primeira vez navegando o Sumida. Porém, a situação agora era bem diferente do conforto dos barcos turísticos que descem e sobem o rio. Esses passeios eram bem disputados até pouco tempo atrás. Hoje em dia, mesmo os jantares nos yakatabune — barcos-restaurantes — parecem ter ficado fora de moda. Porém, subir o rio de caiaque, mesmo que numa curta parte do percurso, me pareceu ser a redenção de uma locação que eu já nem considerava muito nos meus próprios tours na metrópole.
É nas águas caudalosas do Sumida que ficam as mais belas paisagens da experiência. Atrás de nós, os prédios altos — e quase sem alma — da antiga Vila Olímpica ganham dimensão quase épica quando vistos de dentro do rio. À frente, a Chuo-ohashi, uma ponte estaiada moderníssima, com design inspirado nos kabuto, os capacetes usados pelos antigos samurais. O rio ainda nos presentearia com uma passagem pela Ponte Eitai, iluminada com um azul de neon quase naive.
Ver as pontes — e a cidade — deste ponto de vista é, sem dúvidas, uma experiência única. A tranquilidade de fazer um passeio sem ter que disputar espaço com centenas de outras pessoas é também um outro ponto positivo. Em dado momento, tenho até a sensação gostosa de estar resgatando de leve o passado dessa metrópole que não existiria como tal se não fosse seus rios e canais.
No final do passeio, além da certeza de que a dor no braço virá no dia seguinte, fica a alegria de ter vivido uma experiência única, de ter sido ao mesmo tempo tão turista e tão local nesta cidade que eu escolhi para viver.
SERVIÇO
Tokyo Great Kayak Tour - Evening Tours
organizada pela Tokyo Great Tours
disponível em datas específicas ao longo do ano; tour em inglês
a partir das 18 horas
¥6 mil/pessoa
reserva obrigatória
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